Introdução

Antes de tudo, Amo a igreja, Vivo para ela, Mas…

A igreja evangélica brasileira atravessa um dos momentos mais críticos de sua história. Nunca foi tão numerosa, tão visível e, ao mesmo tempo, tão fragilizada em sua identidade teológica e testemunho público. Nos templos, nas redes sociais e na mídia, multiplicam-se figuras que, em nome do evangelho, encenam espetáculos grotescos, transformam a fé em mercadoria e, ao invés de edificar, escandalizam.

Entre esses fenômenos, sobressai o que muitos chamam de “neo”[1] [2]pentecostalismo, rótulo enganoso, pois já não se trata de um desdobramento pentecostal, mas de um movimento pós-pentecostal[3], que abandonou o vigor bíblico do avivamento do Espírito para abraçar práticas estranhas, pragmáticas e muitas vezes pagãs.

O Espetáculo da Fé e a Cultura da Bizarrice

Na contramão da simplicidade do Evangelho, vemos surgir uma cultura da bizarrice. Pastores que latem, profetizas que dançam em transe, líderes que vendem “rosas ungidas” e “água do Jordão engarrafada”, gente que roda no manto, fardamentos esquisitos, luxo e glamour, altos cachês. O altar se tornou palco de entretenimento, e o sagrado, matéria-prima para marketing religioso.

Essa distorção atinge até crianças, que são transformadas em “celebridades mirins da fé”, meninos e meninas sem base teológica são expostos e usados. Esses pequenos, que deveriam ser instruídos no caminho da Palavra são lançados aos holofotes para profetizar a todo custo, muitas vezes reproduzindo discursos adultos com gestos exagerados, gritos ensaiados e teatralizações.
O público, sedento por novidade, aplaude. A imprensa, curiosa, divulga. Mas o Evangelho, este, fica emudecido.

O Pós-Pentecostalismo e Sua Contrafação

O verdadeiro pentecostalismo nasceu de um anseio profundo por santidade e pela presença manifesta do Espírito. Entretanto, o chamado “neo” pentecostalismo, que na verdade é pós, deixou de ser um movimento de avivamento para se tornar um “negócio religioso.

  • Substituiu o fogo do Espírito por pirotecnia emocional.
  • Trocou a autoridade da Escritura por slogans de autoajuda.
  • Reduziu a obra de Cristo a uma chave de acesso para bênçãos materiais.

É um cristianismo sem cruz, sem arrependimento, sem discipulado. Um “evangelho” que agrada consumidores, mas não gera discípulos.

Aclamados pelo Mundo, Reprovados pela Palavra

Essas figuras, pastores-celebridades, “apóstolos” midiáticos e “profetas mirins” de palco, são aclamados por multidões e adorados como ídolos. Mas o Senhor já advertiu:

“Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” (Isaías 29:13)

O aplauso da massa não é selo do Espírito Santo. A popularidade não é sinônimo de unção. Jesus mesmo disse:

“Ai de vocês, quando todos os homens falarem bem de vocês, pois assim os antepassados deles trataram os falsos profetas.” (Lucas 6:26)

O Caminho de Restauração

O chamado, portanto, é voltar ao evangelho simples e poderoso.

  1. Redescobrir a centralidade da Palavra – O púlpito não é palco, mas trono da Escritura.
  2. Resgatar a pregação fiel – Pregação que exalta Cristo e não o pregador.
  3. Recolocar a cruz no centro – A fé não é espetáculo, mas discipulado radical.
  4. Valorizar a formação de discípulos – Não celebridades religiosas, mas servos do Reino.

O que está em jogo não é apenas a imagem da igreja diante da sociedade, mas a integridade do testemunho do evangelho. Enquanto a cultura das bizarrices segue produzindo escândalo e descrédito, o povo de Deus precisa levantar a voz para dizer: “Basta!”

É hora de discernir entre a fé genuína e o teatro religioso. É tempo de reafirmar que igreja não é circo, altar não é palco, e a profecia não é espetáculo infantil. O Senhor nos chama, hoje, a resistir ao modismo e a reconstruir sobre o único fundamento que permanece: Jesus Cristo e este crucificado (1 Coríntios 2:2).

A Ele toda a Glória

  • Miguel Uchoa É Bispo Primaz da Igreja Anglicana no Brasil, Diocesano de Recife e Deão da Catedral Anglicana Espírito Santo (PAES)

[1] O prefixo “neo” vem do grego néos (νέος), que significa novo, recente, renovado.
Ele é usado para indicar algo que surge como atualização, reinterpretação ou versão mais recente de algo já existente.

[2] O grego néos = “novo”, mas não no sentido de algo totalmente inédito (isso seria kainós, “novo em essência, de outro tipo”). O néos é novo em tempo ou forma, mas ligado ao que já existia.

[3] Neo – continuidade com forma nova, mas mantendo a essência

  Pós – algo que veio depois, mas já fora da continuidade, rompendo com a essência.